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Confirma-se o pior: O Orçamento do Estado para o próximo ano prevê corte de 11,2% nas despesas do sector educativo. A ministra Isabel Alçada garante que é possível desenvolver um trabalho com qualidade. FENPROF fala em "ataque à escola pública". FNE critica "incompetência do Governo".
O Ministério da Educação vai gastar menos 800 milhões de euros no próximo ano, o que significa um corte de 11,2% em comparação com a execução prevista para este ano. Segundo o Orçamento do Estado para 2011, o ministério de Isabel Alçada terá 6391 milhões de euros para gastar. Uma verba que desce em sequência das medidas de redução da despesa traçadas pelo Governo. Os programas relacionados com o Plano Tecnológico da Educação têm direito a um investimento de 51,2 milhões de euros, enquanto a Parque Escolar E.P.E. não receberá qualquer verba, verificando-se assim um aperto do cinto no Gabinete de Gestão Financeira.
Em 2011, a educação será o segundo sector mais afectado com os cortes orçamentais, logo a seguir à saúde. O executivo socialista defende uma adequada optimização dos recursos sem, porém, querer colocar em causa a qualidade do ensino. "A continuidade dos projectos e programas que se revelam prioritários para a melhoria da qualidade das aprendizagens e de combate ao abandono e insucesso escolares deve enfatizar a optimização dos recursos, procurando sinergias agregadoras capazes de gerar ganhos de eficácia e eficiência do sistema educativo", lê-se no Orçamento do Estado para 2011.
O reordenamento da rede escolar vai continuar, os planos curriculares e a carga horária sofrerão reajustes e alguns financiamentos serão redefinidos. Os tempos lectivos do 2.º e 3.º ciclos serão organizados em períodos de 45 e 90 minutos, a Área de Projecto sai das áreas curriculares não disciplinares, continuarão a ser desenvolvidos esforços para alargar a rede do pré-escolar e pretende-se aumentar em mais dois anos e meio o nível médio de qualificação dos alunos do Programa Novas Oportunidades. Além disso, o Governo vai lançar no próximo ano um programa de empréstimo de manuais escolares, cuja gestão será assegurada pelos agrupamentos escolares.
Os cortes também atingem o Ensino Superior e a acção social, numa redução de 8,8% em 2011. A despesa total consolidada do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior desce de 2265,1 milhões de euros em 2010 para 2192,6 em 2011, menos 3,2%. As universidades e politécnicos públicos não podem, durante o próximo ano, contratar trabalhadores não docentes e não investigadores se esse processo implicar ultrapassar o número de trabalhadores contabilizados no final de 2010. O Orçamento do Estado prevê, no entanto, situações excepcionais para estes casos, mas que têm de ser autorizadas pelos ministérios das Finanças e do Ensino Superior. Por outro lado, as instituições de Ensino Superior que se encontrem num cenário de "desequilíbrio financeiro" só podem abrir concurso de recrutamento, no próximo ano, com a autorização do Governo. As autarquias que se encontrem na mesma situação, ou que tenham um endividamento líquido superior ao limite legal de endividamento em 2010, também ficam condicionadas à decisão do Governo no recrutamento de recursos humanos.
A ministra da Educação, Isabel Alçada, está confiante que é possível fazer um bom trabalho mesmo com um corte de 11,2% na despesa. "Nós, no nosso trabalho, identificámos muito bem quais são os aspectos cruciais e nucleares do trabalho educativo. É perfeitamente possível desenvolver uma escola pública de qualidade com o Orçamento que temos", revelou em declarações à Lusa.
Segundo a governante, o corte não terá reflexos no funcionamento das escolas, nomeadamente no que diz respeito à falta de funcionários - uma das principais falhas apontadas pelos sindicatos do sector no início do actual ano lectivo. "O sistema educativo está a funcionar em pleno com todos os professores colocados, os alunos estão nas aulas a trabalhar em pleno e mobilizados para melhorar os resultados de aprendizagem. As coisas estão a correr bem e assim irão continuar", sublinhou Isabel Alçada.
"Se há área onde temos o dever de investir o dinheiro dos contribuintes portugueses é na educação". Esta é a visão do primeiro-ministro, José Sócrates, para quem o encerramento de escolas com menos de 21 alunos e a construção de 330 novos centros escolares, nos últimos dois anos, são medidas importantes de "cooperação entre o Estado e as autarquias". Para o chefe do executivo socialista, não faz sentido que o Estado "financie as escolas privadas", criticando desta forma o projecto de revisão constitucional do PSD.
"Acordo violado"
A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) vai analisar com minúcia o Orçamento do Estado para 2011 no que diz respeito à educação, mas numa primeira apreciação o secretário-geral da estrutura fala em "ataque à escola pública". "Com estes cortes, o que fica em causa é a qualidade educativa, ao contrário do que diz a senhora ministra", afirma ao EDUCARE.PT. Mário Nogueira não deixa passar em branco o acordo de princípios assinado este ano, com metas para cumprir na área educativa e com horizontes temporais de 2013 e 2015. "Este acordo é claramente violado." "Foram feitas alterações sem qualquer tipo de negociação, nomeadamente nos índices salariais dos professores", especifica.
O responsável salienta ainda que os cortes surgem numa altura em que o Governo quer aplicar a escolaridade obrigatória de 12 anos "com tudo o que isso implica". Na sua opinião, há um aspecto curioso. O encerramento de escolas com menos de 21 alunos e a fusão de escolas em mega-agrupamentos foram apresentados como "medidas não economicistas e agora são as que permitem economizar no mau sentido". Mário Nogueira defende, por exemplo, a extinção das direcções regionais de educação espalhadas pelo país e a venda desses edifícios. "Cada vez mais, as direcções regionais servem para menos, são um desperdício do sistema", aponta.
Aos cortes directos, há que juntar os indirectos. Para a FENPROF não bate certo a decisão de transferir mais competências para as autarquias, na área da educação, quando se prevê uma diminuição de cerca de 130 milhões de euros para os cofres dos municípios. "Como é possível os municípios assumirem o transporte dos alunos, os suplementos alimentares e várias medidas de acção social escolar com menos dinheiro?", questiona. Mário Nogueira não esquece as famílias que, em seu entender, também perdem com este processo. "Ainda recentemente, foram anunciadas metas educativas que não se fazem por milagre, fazem-se com investimentos. Combater o abandono escolar também passa por apoiar as famílias. Mas com um aumento de 30 cêntimos na compra dos manuais, como é possível atingir tais metas?"
A Federação Nacional da Educação (FNE) também não esquece o acordo subscrito pelos ministérios da Educação e das Finanças no início deste ano e que, entre outros aspectos, previa progressões e revalorizações salariais da classe docente. João Dias da Silva, secretário-geral da FNE, aponta o dedo à "incompetência de previsão do Governo". "Se [as expectativas] eram impossíveis como é que se admite que as tenham subscrito", referiu à Lusa. "Deploramos e denunciamos a cegueira de quem prometeu a realização dos objectivos constantes desses documentos", acrescentou.
Dias da Silva não compreende o comportamento do Governo em voltar com a palavra atrás nove meses depois de assinar o acordo que mexe com a comunidade educativa. O responsável vê no Orçamento do Estado um "ataque brutal" aos funcionários. "Trata-se de um conjunto insuportável de medidas através das quais se impõe aos trabalhadores da administração pública o contributo mais expressivo para a solução da crise, criada por quem não soube gerir competentemente os recursos de que dispôs para governar Portugal", concluiu.
No último sábado, o Presidente da República reafirmou que a educação é uma componente decisiva para o progresso do país. "Cada geração tem duas grandes responsabilidades: uma é a de proporcionar uma qualificação tão elevada quanto possível à geração que se segue; a outra é não deixar uma herança muito pesada, não lhes deixar muitos juros e muitas dívidas para serem pagas no futuro", referiu Cavaco Silva. Na sua opinião, a qualificação é a "arma mais valiosa" para que actual geração encare o futuro com optimismo. "Apesar das dificuldades é a educação que permitirá aos jovens abrir novas janelas de esperança", sustentou.
Educare.pt | Sara R. Oliveira | 2010-10-18
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