sábado, 8 de agosto de 2009


Projecto TurmaMais

uma aposta na conclusão
do 3.º ciclo em três anos


Fazer passar todos os alunos por uma turma a mais, frequentada por grupos organizados de acordo com o seu nível de conhecimentos, é a resposta encontrada pela Escola Secundária com 3.º Ciclo da Rainha Santa Isabel para diminuir as taxas de insucesso no 3.º ciclo, através de um projecto que já vai no sétimo ano de implantação, monitorizado pela Universidade de Évora.


Os 38 por cento de retenções que se registaram no 7.º ano de escolaridade, em 2001/2002, fizeram disparar a campainha de alarme na Escola Secundária com 3.º Ciclo da Rainha Santa Isabel, em Estremoz.


Estes resultados surgiram como verdadeiramente catastróficos, ainda para mais num ano em que os professores tinham investido particularmente no trabalho em equipa e no desenvolvimento de estratégias inovadoras com os alunos, para dar resposta ao projecto de Gestão Flexível do Currículo, então em fase experimental.

Que mais se poderia fazer se as equipas de docentes já tinham passado tanto tempo em reuniões para planearem as novas áreas curriculares não disciplinares, para procurar soluções para os problemas dos alunos e para trocar experiências e materiais?

“Foi aqui que todas as sirenes dispararam”, recorda Teodolinda Cruz (na foto), coordenadora do Projecto TurmaMais.

Se não era por falta de empenho dos professores nem por falta de trabalho com os alunos, que caminho poderia a escola encontrar para recuperar estes números do insucesso?

A solução encontrada, em 2002/2003, para fazer face a este problema teve em conta a constatação de que os alunos que tinham reprovado no ano lectivo anterior, quando principiavam o novo ano, vinham com uma vontade acrescida de passar.

Mas, quando recebiam as notas dos primeiros testes, verificavam que eram tão baixas como habitualmente, e nem a promessa de recuperaram em Dezembro os salvava de terem classificações negativas no final do 1.º período.

“Se fosse possível tirar partido do período em que os alunos estão com o máximo de expectativas, antes dos primeiros testes e das notas de Dezembro, eles iam manter-se com esses níveis de expectativas em Janeiro e Fevereiro, momento em que geralmente começam a desmotivar-se”, explica a coordenadora do projecto TurmaMais.

A ideia que esteve na base da concepção do projecto foi precisamente essa: “Tirar partido das expectativas dos alunos, mantendo-as elevadas, para que não percam o gás”.

Essas expectativas devem ser, segundo Teodolinda Cruz, extensíveis aos professores e aos pais.

Nas suas palavras, “há que gerar expectativas positivas para, depois, as manter e gerir”.

Mas qual a solução para criar e manter estas expectativas elevadas?

Poderia ser positivo retirar os alunos das turmas para reforçar o apoio pedagógico, mas onde os colocar?

A hipótese de proporcionar tempos de apoio para além das 30 horas semanais de aulas não se revelava produtiva para estes estudantes que consideravam esse acréscimo como uma penalização e uma sobrecarga.

A formação de uma turma à parte não parecia uma boa solução, pois poderia provocar exactamente o efeito inverso, gerando baixas expectativas.

“Não querendo ir por aí, como dar apoio a estes alunos de uma forma que não fosse estigmatizante para eles nem para a comunidade educativa?”, questiona a coordenadora do projecto.

“Tínhamos de poder retirar os alunos da turma para lhes dar apoio, mas não podia ser para um grupo à parte”, pondera, antes de introduzir a solução encontrada.

“Para não se criar esse estigma, a resposta encontrada tinha de permitir que todos os alunos passassem por esse grupo.”


Criação de uma turma a mais por onde circulassem todos os alunos

A solução encontrada pela Escola Secundária com 3.º Ciclo da Rainha Santa Isabel consistiu em criar uma turma a mais, por onde circulassem todos os alunos, ao longo do ano lectivo, de acordo com uma sequência previamente estabelecida.

Vazia na primeira semana de aulas de cada ano lectivo, essa turma, denominada como TurmaMais, vai sendo preenchida pelos alunos das restantes turmas do mesmo ano de escolaridade, organizados de acordo com o seu nível de conhecimentos, durante seis semanas consecutivas.

Assim, nas primeiras seis semanas do 1.º período, são os alunos de nível 5 que vão para a TurmaMais, com dois objectivos, tal como refere Teodolinda Cruz.

“Primeiro, para criar expectativas positivas relativamente à TurmaMais; segundo, para dar hipóteses aos alunos com melhores níveis de desempenho de avançarem ao seu ritmo, atingindo patamares de excelência.”

Enquanto os melhores alunos estão ausentes das turmas de origem, os professores têm a possibilidade de aprofundar o conhecimento dos alunos médios e com dificuldades, que têm mais hipóteses de se exprimirem e de seguirem a matéria dada ao seu ritmo.

Através desse conhecimento mais aprofundado dos alunos, os professores ficam em condições de identificar aqueles que poderão beneficiar de um reforço nas aprendizagens na segunda metade do 1.º período.

A meio do 1.º período, os alunos de nível 5 regressam às suas turmas de origem e, nas próximas seis semanas, são os estudantes que apresentam maiores dificuldades que são convidados a frequentar a TurmaMais.

Neste caso, a intenção é que estes alunos “cheguem a Dezembro com menos negativas e, se as tiverem, com negativas mais altas, mais facilmente recuperáveis, que não os façam perder as expectativas que tinham no início do ano”.

Na primeira metade do 2.º período, são os alunos de nível 4 que vão para a TurmaMais, enquanto nas turmas de origem permanecem os estudantes com um melhor desempenho e os com maiores dificuldades.

De acordo com a coordenadora do projecto, é uma boa oportunidade para promover a interajuda e a solidariedade social: “Podem-se formar grupos de trabalho tutoreados pelos melhores alunos. Os alunos com maiores dificuldades frequentemente percebem melhor as matérias explicadas pelos seus pares, que têm uma linguagem mais próxima.

Quanto aos alunos de nível 5, apropriam-se melhor dos conhecimentos ao terem de os transmitir e explicar.”

Os alunos de nível 4 a frequentar a TurmaMais são desafiados a ir mais além, desenvolvendo hábitos de estudo que lhes permitam enfrentar o 10.º ano de escolaridade com sucesso.

Após o regresso destes alunos às turmas de origem, é a vez de os estudantes de nível 3 frequentarem a TurmaMais.

“Estes alunos, que não dão problemas de especial, muitas vezes ficam esquecidos. Mas, se forem estimulados, podem recuperar de eventuais negativas e subir dos níveis médios para níveis mais altos.”

No 3.º período, são os alunos em risco de retenção que são convidados a ir para a TurmaMais, até ao final do ano lectivo, desde que cumpram um requisito: têm de estar interessados em progredir.

“Neste último período, joga-se o tudo por tudo, e todos o sabem – os alunos, os pais e os professores. Como, através desta metodologia, as negativas destes alunos não são tão baixas, há mais possibilidades de recuperação dos resultados escolares.”


Uma melhoria evidente dos resultados dos alunos

No final do ano lectivo de 2002/2003, os resultados dos alunos do 7.º ano falavam por si: a percentagem de reprovações tinha descido de 38 por cento para 16 por cento.

Com uma redução da percentagem de reprovações para metade, a escola tinha motivos para acreditar que estava no caminho certo, pelo que manteve as turmas já envolvidas no projecto, até ao final do 3.º ciclo, enquanto o alargava aos alunos que, no ano lectivo de 2003/2004, iniciavam o 7.º ano de escolaridade.

A redução do número de reprovações no final desse ano lectivo (apenas 12 por cento), bem como nos anos lectivos seguintes, em que o projecto TurmaMais teve continuidade, é relevante: enquanto entre 1995/1996 e 2001/2002, antes da implantação do projecto, ficavam retidos no 7.º ano de escolaridade em média 22 por cento de alunos, entre 2002/2003 e 2007/2008, após a concretização desta metodologia, essa percentagem reduziu para uma média de 13,9 por cento.

A percentagem de retenções ao longo do 3.º ciclo também teve uma redução assinalável com a introdução do Projecto TurmaMais.

Depois de três grupos de alunos terem frequentado o 3.º ciclo com esta metodologia de trabalho, conclui-se que a percentagem de estudantes retidos ao longo destes três anos de escolaridade é de cerca de 11,3 por cento, comparativamente com os cerca de 23 por cento que tinham ficado retidos, ao longo do ciclo, nos três anos anteriores ao início do projecto.

Mas faltava ainda o confronto com a avaliação externa para tirar a prova dos noves.

Através dessa comparação, é de destacar que os alunos da Escola Secundária com 3.º Ciclo Rainha Santa Isabel obtiveram nos exames nacionais do 9.º ano, quer a Língua Portuguesa quer a Matemática, uma menor percentagem de níveis inferiores a 3 face à média nacional.

Quanto à obtenção de níveis superiores a 3, verificou-se que, a Língua Portuguesa, os alunos da escola obtiveram uma média de 47,8 por cento, valor superior à média nacional, que se situa nos 37,6 por cento.

Na disciplina de Matemática, a percentagem de níveis superiores a 3 é de 35,4 por cento na escola, comparativamente com a média nacional, que é de 31,1 por cento.


Aposta na coesão da equipa pedagógica

Já com um contrato de autonomia assinado com o Ministério da Educação, a Escola Secundária com 3.º Ciclo da Rainha de Santa Isabel foi capaz de conceber e de se apropriar de uma estratégia para dar resposta ao problema do insucesso escolar, concretizada através do Projecto TurmaMais, cujo desenvolvimento foi estreitamente acompanhado pela Universidade de Évora.

O acompanhamento do projecto pela Universidade de Évora foi solicitado pela Direcção Regional de Educação do Alentejo, em 2002, depois de a escola ter requerido autorização para implantar esta metodologia de trabalho no 3.º ciclo do ensino básico.

Coube a José Verdasca, o actual director regional de Educação do Alentejo, integrar a equipa de acompanhamento do projecto da Universidade de Évora, que coordenou a partir de 2005, com o objectivo de garantir a monitorização do mesmo, através de um acompanhamento directo no terreno e de uma avaliação externa que incluísse a análise dos resultados.

Na sua opinião, um dos aspectos a valorizar no projecto é a aposta na coesão da equipa pedagógica, através da atribuição de todas as turmas do mesmo ano de escolaridade aos mesmos professores, que, desde que o número de horas o permita, só leccionam esse ano de escolaridade: “A missão da equipa pedagógica é levar os alunos até ao final do ciclo com uma taxa de repetência o mais reduzida possível.”

A concretização deste objectivo, ao longo dos sete anos do Projecto TurmaMais, já permite afirmar, segundo José Verdasca, que “a probabilidade de um aluno cumprir o 3.º ciclo em três anos nesta escola é 20 a 30 por cento superior relativamente aos outros estabelecimentos de ensino da região”.

Estes números abonam a favor de uma metodologia que envolve, à partida, mais recursos docentes.

“O projecto tem ganhos ao reduzir os níveis de insucesso dos alunos, que se traduzem em menos custos do que os mais de 20 por cento de reprovações que se verificavam no ensino básico.”

A aposta numa forte responsabilização das lideranças intermédias e numa verdadeira integração, possibilitando o acompanhamento de todos os estudantes, de acordo com uma estrutura rotativa, é outra das grandes virtudes deste dispositivo, que incentiva, de acordo com o coordenador da equipa de acompanhamento do projecto, a cooperação entre pares, na medida em que “os alunos com um melhor desempenho podem cooperar com os colegas com mais dificuldades”.

Assim, “pode dizer-se que o sucesso do projecto é o sucesso de todos os grupos-turma”.

O desenvolvimento da cooperação entre pares e a rotatividade dos elementos da turma é determinante, segundo o presidente do conselho executivo, José Daniel Sadio, para a prevenção da indisciplina na escola: “Com esta forma de organização, os processos disciplinares têm vindo a diminuir, até se tornarem praticamente residuais.”


Uma resposta para o insucesso concebida pela própria escola

Guilherme, de 16 anos, a frequentar o 9.º ano, com uma repetência no 7.º ano, admite que a passagem pela TurmaMais foi positiva: “A separação das amizades nas turmas que desestabilizam um bocado é boa, porque, ao ficarmos separados, passamos a ter mais consciência de nós próprios e do nosso futuro, e temos mais disponibilidade para pensarmos naquilo que queremos seguir na nossa vida.”

Actualmente a frequentar a turma de origem, confessa que, sobretudo na disciplina de Matemática, “a matéria vai depressa de mais”, pelo que dá por si a olhar para o quadro sem perceber nada.

“Sinto-me perdido”, admite este aluno de nível 2, apesar de acreditar que, se se esforçasse mais, conseguiria melhores resultados.

Com expectativas de voltar a frequentar a TurmaMais no 3.º período, Guilherme pensa que o facto de o grupo ser mais pequeno e de os professores terem mais disponibilidade para os alunos pode fazer a diferença para alcançar melhores resultados e conseguir transitar de ano.

As colegas da turma de origem, sentadas ao seu lado no mesmo grupo de trabalho, também têm uma opinião positiva sobre esta metodologia.

Aluna de nível 5, Andreia, com 14 anos, pensa que o projecto “é bom principalmente para os alunos de nível 2, embora os alunos de nível 5 também tenham um melhor ambiente para manter as notas”.

Para Isabel, aluna de nível 5, com15 anos, é preferível para os alunos trabalharem em turmas mais pequenas em que cada um consegue ir ao seu ritmo.

“Nas turmas maiores, uns ficam perdidos e os outros têm de estar à espera.”

Quanto a Carlota, de 14 anos, aluna de nível 4 que estava em risco de descer as notas, vê com bom olhos a sua passagem pela TurmaMais: “Estava com as notas um bocado em baixo e, quando estive na TurmaMais, consegui subir. As minhas amigas não queriam que eu fosse, mas eu fui, e não só fiz novas amizades como também melhorei as notas.”

Relativamente aos professores para os quais anteriormente o 3.º ciclo era o menos apetecível, agora desejam permanecer, fazendo justiça à analogia estabelecida pelo presidente do conselho executivo: “Em equipa que ganha não se mexe.”

Luís Cabanejo, professor de Língua Portuguesa, aderiu ao projecto e salienta aquilo que considera serem as suas principais potencialidades: “Este projecto está bem arquitectado, permitindo trabalhar com grupos homogéneos. Quando entramos numa sala de aula, sabemos a que ritmo podemos avançar com a matéria e adequamos as actividades aos alunos que temos à nossa frente.”

“A escola orgulha-se do projecto concebido pelos seus professores, que tem passado por melhorias e correcções, já estando a ser experimentado por outros estabelecimentos”, considera José Daniel Sadio. “Muitas vezes, temos tendência para ir à procura de receitas fora quando, afinal, as temos entre portas.”

José Verdasca partilha esta opinião: “As escolas têm profissionais com qualificação, conhecimentos e disponibilidade para arquitectarem soluções e respostas inovadoras, em termos organizativos e pedagógicos. Estas respostas, que envolvem sempre uma margem de criatividade, não se fazem sem algum risco e alguma incerteza, sem o benefício da experimentação. É necessário confiar e apoiar as escolas, mas também acompanhar, monitorizar e avaliar a implantação dos projectos no terreno.”


Alargamento e divulgação do projecto TurmaMais

Reconhecidas as virtudes do Projecto TurmaMais enquanto resposta ao insucesso escolar, esta metodologia foi alargada ao 2.º ciclo, noutras escolas do Alentejo, nomeadamente na Escola Básica de Santa Maria de Beja e na Escola Básica Hernâni Cidade, no Redondo, sempre com a monitorização da Universidade de Évora.

O projecto foi, ainda, candidatado à Fundação Calouste Gulbenkian, em 2005, no âmbito de um programa de apoio a medidas de combate ao insucesso e ao abandono escolares, tendo sido um dos três seleccionados ao nível nacional.

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