terça-feira, 28 de setembro de 2010

A grande maioria dos nossos alunos não apresenta quaisquer hábitos de estudo
Enviado por Segunda, Setembro 27 @ 12:59:39 CEST por Amaral


Artigos de opinião
Fernanda Carrilho, professora e autora de livros de apoio escolar, reconhece que faltam hábitos de estudo aos alunos portugueses e deixa alguns conselhos práticos para colmatar essa lacuna. Fernanda Carrilho tem desenvolvido investigação ao nível da didáctica, pedagogia e psicologia. Lamenta que a maioria dos alunos não saiba estudar. Elege "os baixos níveis escolares", presentes desde o ensino básico até ao superior e as consequentes repercussões na vida profissional, como as suas maiores preocupações. 

Em entrevista ao EDUCARE.PT, Fernanda Carrilho, autora do livro "Métodos e Técnicas de Estudo", e da qual se espera para breve a publicação do seu último trabalho: "Como Estudar Melhor", cujo título é ainda provisório, lembra que o início do ano lectivo é o "momento ideal" para começar a planear a forma de estudar. Chama a atenção para o erro mais comum cometido pelos estudantes: deixar "acumular matéria". E revela quais os maiores inimigos do estudo: "Falta de motivação, de objectivos, pensamentos negativos e baixa auto-estima." Aos pais, apela que incutam nos seus educandos, desde logo, o hábito de consultar o dicionário. 

EDUCARE.PT (E): Que hábitos de estudo têm os nossos alunos?

Fernanda Carrilho (FC): Infelizmente, salvo situações pontuais, a grande maioria dos nossos alunos não apresenta quaisquer hábitos de estudo. Esta situação tem piorado nos últimos anos pelo "facilitismo" generalizado e permissividade que o sistema tem vindo a promover. 

E: De que forma deve ser planeado o estudo?

FC: O momento ideal é no início do ano lectivo. Como em tudo o que fazemos, a organização é fundamental. Com a ajuda do horário escolar e de um calendário, o aluno deverá fazer uma planificação de todo o ano. Neste mapa, começará por assinalar, a diferentes cores, os fins-de-semana, feriados, interrupções lectivas, datas importantes, bem como os testes e os trabalhos, à medida que forem sendo marcados. Depois, expô-lo num local bem visível. Para além da referida planificação é necessário preparar as sessões de estudo diárias, durante as quais deverá fazer os TPC, rever os apontamentos, estudar e preparar as aulas do dia seguinte. 


"O típico aluno que vai para a escola para passar o tempo, ou porque é obrigado, dificilmente alcançará bons resultados." 


E: É mesmo essencial não deixar "acumular matéria"?

FC: Sem dúvida alguma! E é um dos maiores erros que os alunos cometem. Este é o primeiro passo para criar uma bola de neve cujo tamanho e velocidade aumentam de forma descontrolada, durante o ano lectivo, e, quando se dá por isso, já é tarde para lhe colocar um travão, e as consequências são aquelas que todos conhecemos... 

E: Quais são os maiores "inimigos" do estudo? 

FC: A falta de motivação, de objectivos, pensamentos negativos e baixa auto-estima são alguns dos aspectos mais relevantes. O típico aluno que vai para a escola para passar o tempo, ou porque é obrigado, dificilmente alcançará bons resultados. Se, a tudo isto, juntarmos uma quase ausência de métodos e técnicas de estudo, pouco descanso e uma alimentação desequilibrada, está criado o ambiente favorável para o insucesso escolar. É essencial traçar metas a curto, médio e longo prazo. Perceber quais as suas capacidades, os seus interesses, o que quer para o seu futuro e empenhar-se na sua concretização. 

E: Que tipo de postura deve o estudante ter na sala de aula, de modo a rentabilizar o que lhe é ensinado poupando, assim, mais horas de estudo em casa?

FC: Como costumo dizer aos meus alunos, a escola e a sala de aula são espaços que têm as suas regras, tal como um cinema, uma igreja, um restaurante. A atitude que se deverá ter num espaço religioso não é a mesma que se tem na praia ou numa esplanada com os amigos. A postura deve estar sempre adequada à situação e ao local. A partir do momento que se entra na sala de aula o aluno tem de perceber que o intervalo acabou e as brincadeiras e conversas ficam lá fora. Para além destas regras básicas, de respeito e boa educação, que muitos tendem a "esquecer" com frequência, é fundamental que o aluno vá motivado para aprender. Deve evitar uma atitude passiva, como se fosse um puro receptáculo de conhecimentos. Se pretende bons resultados, deve ter uma postura activa e crítica, seguir as explicações do professor, tomar notas, fazer esquemas e colocar questões pertinentes. 

E: De um modo geral, quais as melhores práticas para manter o estudo das matérias em dia?

FC: Como acabei de referir, a atenção nas aulas e o trabalho nelas realizado é muito importante, mas não o suficiente. É necessário, no final de cada dia, reler os apontamentos, completá-los com o manual escolar, ou outras fontes, e fazer exercícios. Se surgir alguma dúvida, deve anotá-la e procurar esclarecê-la na aula seguinte. As revisões são essenciais para combater a tendência natural para o esquecimento, que ocorre nas 24 horas seguintes. 


"Recordo-me, perfeitamente, do que a minha mãe me dizia quando eu, curiosa, perguntava o significado de determinada palavra: "Vai ver ao dicionário" 


E: É usual ver alunos que ao ler o manual o sublinham inteiramente. Isto faz sentido?

FC: Não. Sublinhar é uma técnica de estudo que consiste em destacar somente as ideias principais. Este trabalho pode ser completado por pequenas notas à margem. De salientar que a cor aconselhada é o vermelho porque, dizem os entendidos, é aquela que mais impressiona a retina. A técnica do sublinhado torna-se especialmente útil no momento de fazer revisões. Convém sempre "relembrar" que só se devem sublinhar fotocópias e livros próprios, nunca os livros dos colegas, de bibliotecas, dicionários, enciclopédias, etc. 

E: Quais as piores práticas de estudo?

FC: Estudar na véspera dos testes, copiar os trabalhos e apontamentos dos colegas e estudar de uma forma passiva, limitando-se a ler os textos. 

E: No que diz respeito aos apontamentos, o que há a ter em conta na sua elaboração?

FC: Em primeiro lugar, é fundamental estar atento. Nem tudo o que é dito na aula é para ser registado. O professor dará indicações do que é mais importante através do tom de voz, das repetições, das pausas, etc. Em seguida, o aluno deve tentar compreender o que foi dito e, só depois, passar para o caderno. A caligrafia não deve ser descurada, sob risco de se tornar ilegível. Por último, é necessário relê-los, no próprio dia, e passá-los a limpo, se necessário. É muito mais fácil e agradável estudar por uns apontamentos limpos e organizados do que por uma série de hieróglifos difíceis de decifrar. 

E: No seu livro Métodos e Técnicas de Estudo fala na importância do uso do dicionário, mas com frequência encontramos alunos que não o sabem usar... 

FC: Este é um hábito que deve ser incutido às crianças pelos pais e educadores, desde o momento que aprendem a ler. Recordo-me, perfeitamente, do que a minha mãe me dizia quando eu, curiosa, perguntava o significado de determinada palavra: "Vai ver ao dicionário". É evidente que os dicionários devem ser adequados à faixa etária. Não se coloca nas mãos de uma criança de oito anos o Dicionário Houaiss, por exemplo, tal como não é benéfico que um aluno do ensino secundário se limite a consultar pequenos dicionários de bolso! Uma das maiores vantagens do uso do dicionário é a familiaridade com o novo vocabulário e, consequentemente, um alargamento de conhecimentos e progressos ao nível da leitura e da expressão oral e escrita. 


"Aos professores cabe ensinar, aos pais educar. Só havendo sintonia se conseguem alcançar bons resultados" 


E: Diz também uma coisa curiosa: que a elaboração de "cábulas" pode ser produtiva. Em que sentido? 

FC: Elaborar as chamadas "cábulas" poderá ser uma actividade muito positiva, na medida que exige do aluno um trabalho de leitura, selecção e redução da informação ao essencial e, isso, já é uma forma de estudo. Todavia, como é óbvio, não incentivo, de forma alguma, a sua utilização durante os testes. Elas fazem parte de um trabalho prévio. 

E: Da sua experiência, quais são as principais consequências do "não saber estudar"? 

FC: A curto prazo, para além dos inevitáveis baixos resultados escolares, existe uma enorme desorganização, uma baixa auto-estima (muitas vezes camuflada) e um desinteresse crescente. A longo prazo, irá reflectir-se na vida profissional, gerando incapacidades, frustrações e fracos resultados. 

E: Não caberia aos professores a tarefa de ensinar como estudar aos seus alunos?

FC: Evidentemente que os professores têm aqui um papel muito importante, mas não nos devemos esquecer de que é em casa que os bons hábitos, como a organização, devem começar. Sem a cooperação dos encarregados de educação tudo se torna muito mais difícil de implementar. Aos professores cabe ensinar, aos pais educar. Só havendo sintonia se conseguem alcançar bons resultados. 

Se, regularmente, apesar da vida agitada que todos levamos, os pais dedicarem uns minutos aos seus educandos, lhes perguntarem como vão as actividades lectivas, prestarem atenção à arrumação dos materiais e da mochila, verem os cadernos e estiverem atentos às datas dos testes e trabalhos, já têm uma noção de como estão a decorrer os estudos. São pequenos gestos que demonstram, ao aluno, que os seus pais estão interessados nos seus estudos, atentos ao seu percurso e empenhados no seu sucesso. 


"Os baixos níveis escolares que se vão arrastando do 1.º ciclo até à faculdade, e que vão ter repercussões na vida profissional, é algo que me preocupa, enquanto professora e cidadã" 


E: A disciplina de Estudo Acompanhado seria um espaço para essa tarefa de ensinar a como estudar?

FC: E é, sobretudo, aí que ela tem sido implementada, contudo estamos a falar de uma área curricular não disciplinar. Como tal, dá alguma margem para que, nessas aulas, se façam os trabalhos de casa, avancem com conteúdos em atraso, etc. Julgo que seria mais útil ter uma disciplina de Métodos e Técnicas de Estudo, pelo menos no Ensino Básico. Assim, evitar-se-ia que os alunos chegassem ao Ensino Secundário e, mais grave, à faculdade com dificuldades a esse nível. Convém relembrar que o Tratado de Bolonha requer um trabalho mais individualizado e autónomo por parte do aluno. Urge, então, prepará-los para se orientarem e organizarem o seu estudo de forma a rentabilizarem o seu tempo, a aumentarem a eficácia do estudo e a alcançarem os resultados pretendidos. 

E: Quais são as suas maiores preocupações relativamente a estes temas? 

FC: Os baixos níveis escolares que se vão arrastando do 1.º ciclo até à faculdade, e que vão ter repercussões na vida profissional, é algo que me preocupa, enquanto professora e cidadã. Um outro aspecto, cada vez mais inquietante, é a falta de hábitos de leitura. Por isso, tenho em preparação um outro livro que irá ajudar as crianças, jovens e adultos a ler mais rápido, melhor e, consequentemente, a tirar mais benefícios e prazer da leitura. 


Andreia Lobo | 2010-09-06
www.educare.pt

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