quinta-feira, 26 de novembro de 2009


FILHOS: AMOR COM REGRAS

Aldo Naouri, pediatra há 40 anos, autor do livro, “Educar os Filhos - Uma urgência dos dias que correm”, afirma que nunca como hoje foi tão urgente perceber como nos devemos comportar como pais para desempenhar bem a nossa função. A revista GINGKO (*) apanhou-o de passagem por Portugal e conversou com ele sobre os principais erros que os pais modernos tendem a cometer.

O que mudou entre os pais e os filhos nos últimos 40 anos?
As crianças não mudam.

Mas a educação mudou...
Sim, a educação mudou e está a surtir resultados diferentes. E os pais também mudaram. Porque a sociedade mudou, transformando-se numa sociedade de abundância que segue a lógica de consumo, onde é importante consumir e incentivar toda a gente a consumir, porque cada um de nós tem direito a tudo. E a partir do momento que temos direito a tudo, para que havemos de nos esforçar? Dissemos aos pais que as crianças precisavam de fazer coisas que lhes dessem prazer para se sentirem amados. Mudámos a conformação que existia antes, quando os filhos deviam esforçar-se por agradar aos pais. Hoje os pais dizem que os amam e oferecem escolhas múltiplas, condenando o filho a uma posição de juízo muito angustiante porque ainda tem a personalidade em bruto e necessita de orientação para saber em que direcção caminhar e como lutar contra os obstáculos que encontra.

Essa abundância de que fala retirou o sentido da vida às nossas crianças?
Sim, podemos dizer isso. Mas temos de dizer que também retirou o sentido da vida aos pais.

A nossa sociedade é uma sociedade do prazer. É o prazer como recompensa?
Sim, só que é preciso compreender que é recompensa, que não é de graça. Os jovens pensam que é de graça, e por isso temos de lhes mostrar que só terão o prazer se se esforçarem.

Denunciou a existência de uma infantolatria. A sociedade esqueceu os pais?
Colocou os pais ao serviço dos filhos e a isso chamo infantolatria. Esqueceu o lugar dos pais, dessacralizou-o. Como as crianças são postas em primeiro lugar, os pais são desviados para lugar oculto. Não há lugar para o casal, e quando o casal enfraquece passa a haver dois apartamentos, duas frigideiras...

É necessário recuperar esse lugar?
Absolutamente. É fundamental dizer que a condição parental é magnífica.

Também é necessário reeducar os pais, antes de eles educarem os filhos?
Não. Os pais foram bem educados, mas para educarem os filhos têm de estar de acordo com a educação que receberam. A maioria compreende o ressentimento que tem dos seus pais. Mas precisam de perceber que, independentemente do que façam, estão condenados a ser amados pelos próprios filhos porque são eles que forjam a sua identidade. Mas também estão condenados à ira porque os filhos precisam da ira para se afirmar. Daí a necessidade de os seduzir. A partir do momento em que damos esta explicação aos pais, não precisamos de os educar. Eles sabem como proceder com os filhos. No geral, e em caso de necessidade, os pais entendem qualquer recomendação simples como substituir o slogan "a criança primeiro" por "o casal primeiro". Se os casais fizerem isto não há necessidade de os educar.


No seu entender, o problema surge quando os casais tentam distanciar-se do papel que os seus próprios pais tiveram, quando querem ser diferentes deles.

Sim. Mas a partir do momento em que percebem que eles fizeram o que puderam e que não existem pais perfeitos, e não existem filhos perfeitos, as coisas vão correr muito melhor.

Defende que as regras devem ser impostas sem explicação, prevalecendo a hierarquia pais-filhos. Isso não é demasiado ditatorial?
Depende da forma como exprimimos as coisas. Eu não disse exactamente isso. Falei em dar uma ordem sem ter de a explicar. Porquê? Porque a ordem seguida de uma explicação corre o risco de cair perante a justificação. Uma ordem não é ditatorial, mas indica uma relação vertical, que os pais têm lugar acima das crianças. É uma maneira de defender a relação vertical contra a relação horizontal, muito culpabilizante e angustiante para a criança. A relação vertical permite à criança revoltar-se contra os pais. Se agirmos dessa forma, que apelidou de ditatorial, a criança aprenderá que os outros existem e tornar-se-á um democrata. Pelo contrário, se for uma relação horizontal e democrática, a criança ficará com a ideia de que ela é que importa e que os outros não interessam, transformando-se mais tarde num fascista.

Mas não é necessário explicar?
Não, não é. As crianças devem encontrar as explicações por si próprias. Se pedem explicações, devemos dá-las. Mas se não pedem, então não há necessidade de explicar.

Defende também que as crianças estão educadas aos três anos. Como é isso possível?
É até aos três anos que as crianças aprendem a reprimir impulsos e a aceitar a frustração. Quando se repara no seu olhar nota-se que já tem enorme amor pelos pais. E depois de ter aprendido a reprimir impulsos e a estar frustrada está educada. O resto virá depois.

As competências básicas estão adquiridas?
As competências básicas estão adquiridas, a educação básica está adquirida, mas a ambição não é ficar pelo básico. É preciso olhar para a educação básica como um meio. Aos três anos são exactamente como se estivéssemos a fabricar imóveis e já tivéssemos toda a construção mas faltassem a electricidade e os acabamentos. As fundações estão lá, os muros também, mas falta o resto.

No seu livro fala de um novo maltratar, um consentimento social que abusa da ternura da mãe. Explique-nos melhor este conceito.
A sociedade investiu muito na mãe. Dizemos às mães que têm todos os direitos: amar, mimar, satisfazer. É um novo maltratar porquê? Porque enquanto a mãe estiver ao serviço do filho não o educa, não é capaz de o reprimir, de lhe ensinar a frustração. Corre o risco de ele permanecer um bebé concentrado em si mesmo, no seu prazer e nos seus benefícios.

Então é contra o excesso de amor...
Sim, e a sociedade que o aplaudir está a cometer uma malfeitoria contra a infância. A Convenção Internacional dos Direitos das Crianças diz que o primeiro direito das crianças é a educação. Ora, como se pode educar uma criança quando ao mesmo tempo se aplaude todas as medidas anti-educativas?

Mas, não é possível educar com amor?
Claro que sim. Você pode meter açúcar no café. O problema é se meter excesso de açúcar. E hoje o que se diz às mães é: "Metam bastante açúcar".

(*) GINGKO Nº 16 – Outubro 2009 - http://revista.gingko.pt/#/1/

(recolhido por FERSAP – Departamento de Pesquisa e Divulgação)

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