sábado, 7 de novembro de 2009

''O sistema educativo está esquizofrénico''
Enviado por Sábado, Novembro 07 @ 12:33:53 CET por Amaral

EducaçãoUma das coisas centrais neste momento é suspender a diarreia legislativa. A grande palavra de ordem é confiança nas escolas, profissionais da educação, pais e instituições locais (...). Precisamos fortalecer a escola e apostar na capacidade dos profissionais e na intervenção da sociedade na escola. Até hoje pedimos muito à escola. Agora, temos de pedir mais à sociedade.

Joaquim Azevedo, em entrevista ao JN, considera que discurso sobre autonomia das escolas colide com "diarreia" legislativa que desresponsabiliza as instituições e os profissionais.
É doutorado em Ciências da Educação e já foi secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário em 1992/93. Actualmente, é professor catedrático da Universidade Católica e director da Faculdade de Educação e Psicologia. É um crítico da "política do Diário da República". Lamenta que o sistema educativo esteja esquizofrénico. Defende uma autonomia real para as escolas, com plenos poderes para os seus profissionais e com pontes seguras com a sociedade civil, a quem reconhece o dever de um envolvimento e investimento profundos na escola.

"A esquizofrenia está perfeitamente instalada no sistema educativo". Esta frase é sua. Gostava de saber se, nestes últimos quatro anos de governação, a esquizofrenia manteve-se.

Não me parece que haja alterações de fundo. Quando falo nesse termo, o que existe, de facto, é um sistema fortemente centralizado, altamente uniformizador e desresponsabilizante por parte das diferentes lideranças do Ministério da Educação (ME) ao longo de muitos anos. Não é um problema recente. É, por um lado, uma legislação permanente, contínua, que se contradiz. E, por outro lado, existe toda uma lógica de discurso sobre autonomia, sobre responsabilidade das escolas, sobre participação da sociedade civil. Há aqui o discurso e o contra-discurso. Tem de se perguntar por que há um discurso de autonomia, responsabilidade, novos modelos de gestão das escolas, e por outro lado toda a actuação do ME, toda a produção legislativa e a própria concepção como se desenvolve uma política educativa para melhorar Portugal é contrária.

É nessa contradição que está a esquizofrenia então.

Sim. Isto é, uma coisa não bate com a outra. Há aqui uma dissintonia no seio das políticas públicas de educação que não faz sentido.

Entende que é o excesso legislativo que emperra o sistema educativo?

É uma política muito assente na legislação, muito crente no poder transformador da norma e da lei e muito menos confiante nas escolas, na capacidade profissional dos professores, pais e alunos de intervirem. Portanto, muito menos responsabilizante, porque a responsabilidade deriva da confiança. Não basta falar em autonomia, é preciso que os profissionais que estão na escola tenham o poder e a capacidade de exercer com autonomia real. O ministro da Educação da Finlândia - um país que para nós funciona como referência - deu uma entrevista a um órgão de comunicação social e a palavra que mais vezes repetia era a confiança que tem na escola, na capacidade profissional dos professores. E isto é o que não se vê no nosso sistema.

Mas essa falta de confiança radica em quê?

Tem uma tradição de muitos anos, que é uma desconfiança da administração face aos administrados. É uma desconfiança da máquina do ME que vem antes do 25 de Abril e que se tem acentuado agora nessa sua vertente mais esquizofrénica. Dantes, havia reitores e não se falava de autonomia. Agora, só se fala de autonomia, não há reitores e aumentou a desconfiança.

Agora há o director de escola, um cargo criado para maior autonomia e responsabilização das escolas.

Foram criados para responsabilizar mais as escolas, mas não responsabilizam. É dramático isso. É uma medida positiva. Mas ou em simultâneo se transferia para o colectivo da escola uma série de responsabilidades e se desfazia a máquina do ME, ou então o director fica ali completamente encravado entre a máquina do ME, a quem ele tem de obedecer normativamente e os colegas da escola, fartos da lógica legislativa e da desconfiança que existe sobre eles.

É isso que desresponsabiliza?

Claro. Vem um ministro e legisla, e vem outro e diz que não é assim. A 5 de Outubro é a única zona iluminada do sistema educativo português, as escolas são a escuridão. E enquanto for assim, não há saída.

Os professores saíram à rua contra a avaliação. Tiveram razão?

Tem de haver um modelo de avaliação e os professores não tinham, mas têm de ter. Onde não se premeia o mérito, a mediocridade tende a ser elevada à excelência. É preciso acabar com isso. Nessa lógica, acredito que se fez o que devia ter sido feito. Agora o modelo e a forma como foi implementado não resultaram e tem de se ir por outros caminhos.

A nova ministra da Educação, dá-lhe esperanças?

Vejo sempre cada equipa com muita esperança. Precisamos de gente que se envolva nesta dinâmica e tenha um espírito novo.

E o que acha que deve ser feito para mudar a "fábrica dos alunos" ou a "escola liofilizada" para usar a sua terminologia?

Uma das coisas centrais neste momento é suspender a diarreia legislativa. A grande palavra de ordem é confiança nas escolas, profissionais da educação, pais e instituições locais. Na escola devem repousar o máximo das competências possível e a partir daí deve haver uma pequena equipa de apoio, assim como uma equipa reduzida para a direcção política do ME. Precisamos fortalecer a escola e apostar na capacidade dos profissionais e na intervenção da sociedade na escola. Até hoje pedimos muito à escola. Agora, temos de pedir mais à sociedade. As melhores escolas estão em contextos culturais muito ricos.

As pontes com as instituições locais são importantes para as escolas, é isso?

É preciso incentivá-las. As escolas sozinhas não resolvem sequer o problema da educação escolar. É preciso fortalecer a capacidade das instituições educativas, confiando nos professores, na sua profissionalidade, envolvendo cada vez mais a sociedade e as instituições locais.

JN 05-11-2009 - Fernando Basto

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