terça-feira, 24 de março de 2009

CONFAP propõe alargamento da componente de apoio à família no 1.º Ciclo

A possibilidade de nas escolas do 1.º ciclo do ensino básico funcionar o apoio à família, entre as sete da manhã e as sete da tarde, foi posta em cima da mesa pela Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).
A filosofia é adequar o horário das escolas públicas às jornadas de trabalho dos pais, libertando-os da necessidade de recorrer aos ATL (Actividades de Tempos Livres) que, ainda por cima, saem muito caros.
De caminho, procura-se pôr a escola pública a funcionar numa lógica de centro escolar, capaz de oferecer terreno seguro para a brincadeira e para aprendizagens alternativas.
Diz o psiquiatra Daniel Sampaio: "O que é preciso é modificar os horários dos pais e não aumentar o tempo de permanência das crianças na escola. Se persistirmos neste modelo, estaremos a criar uma geração de adolescentes como a do Paranoid Park, do Gus Van Sant", ou seja, jovens a arriscar a fronteira da delinquência. Desdramatiza o neuropediatra Nuno Lobo Antunes: "Não antecipo na-da esse cenário. Não creio que a permanência das crianças na escola durante mais tempo vá provocar uma hecatombe ou deitar a perder uma geração. Não sendo a situação ideal, não me parece que as crianças fiquem mal empregues". O Ministério da Educação garante que nada está decidido. "As actividades de enriquecimento extracurricular têm uma comissão de acompanhamento que analisará todas as eventuais propostas que surgirem nesse sentido. Só depois o ministério poderá avaliar e decidir", lê-se na resposta às perguntas colocadas pelo PÚBLICO. E dali não se arranca nem mais uma vírgula. Mas o presidente da Confap, Albino Almeida, garante que o processo está a ser negociado há um ano e está em fase avançada. Para Daniel Sampaio, porém, a equação está posta ao contrário. "A escola não é feita para substituir a família", sustenta. Se persistirmos neste modelo, ou seja, na legitimação da ideia de que os pais não têm tempo para cuidar dos filhos, "estaremos a contribuir para que as crianças se transformem em adolescentes sem regras". Como os do filme de Gus Van Sant. "Não é um bom caminho", insiste, preconizando que os pais - "pelo menos um deles" - tem de poder chegar a casa mais cedo para estar com os filhos, "pelo menos até que estes tenham 15 anos". Uma nova organização social é o que reivindica também a Federação Nacional dos Professores (Fenprof). "Pobres pais e pobre sociedade em que se propõe que as crianças possam ficar doze horas enfiadas numa escola", reage Francisco Almeida, daquele sindicato, para quem o novo Código de Trabalho vem desregular ainda mais o já desregulado mundo laboral na relação que este tem que ter com a família."As bolsas de horas vão permitir que as pessoas possam fazer jornadas de trabalho intensivas durante um período e que compensem depois, o que traz óbvias dificuldades de conciliação do trabalho com a família", acrescentou, pondo-se a fazer contas:"Se uma criança fica doze horas na escola, dorme oito e gasta uma hora ou hora e meia nos transportes não tem tempo nenhum para estar com os pais: se assim for, haverá miúdos que não chegam a deitar-se no colo do pai".Para Nuno Lobo Antunes o ideal seria que fosse diferente. Mas, "num tempo em que para os casais terem um mínimo de qualidade de vida é fundamental a existência de dois salários, e numa altura em que para se ser competitivo no mundo do trabalho tem que se dispor de mais horas do que as que seriam exigíveis, o alargamento do horário das escolas "é uma medida que resulta das necessidades e das circunstâncias do tempo actual". Nada que ameace traumatizar as crianças. "A verdade é que imensa gente frequentou colégios internos, portanto muito mais longe da família, e não me parece que isso lhes tenha tirado capacidade de imaginação ou autonomia", desdramatiza, lembrando que, "em muitos lares, a escola ainda é o espaço mais saudável a que as crianças têm acesso". A professora na Escola Superior de Educação de Coimbra, Lucília Salgado, não anda longe deste raciocínio. "O ideal era que os pais estivessem com as crianças, mas isso é uma utopia no cenário actual de falta de emprego em que as empresas não cedem nada e os pais têm que trabalhar o máximo de tempo possível para conseguirem sobreviver". Portanto, ou as escolas se adaptam ou "muitas crianças ficam ao deus-dará ou a ver televisão, já que a rua há muito que deixou de ser espaço de brincadeira". No cenário actual, o importante é garantir que este alargamento não signifique mais trabalho. "Cinco horas de estudo chegam. O resto do tempo tem que obedecer à regra dos três D's: descansar, divertir e desenvolver", defende Lucília Salgado. Um tempo que "seja de aprendizagem mas com características lúdicas e sem stress escolar". O investigador Manuel Sarmento, do Instituto de Estudos da Criança, também impõe condições ao aumento da permanência na escola. "As actividades têm que ser organizadas pelas escolas, em articulação com as autarquias, e numa lógica de articulação com a comunidade. Por outro lado, é crucial que as crianças tenham autonomia para decidir o que querem fazer e que a supervisão a que ficam sujeitas não esmague as suas possibilidades de desenvolvimento enquanto seres sociais". Segurança Social paga 60 euros por criança nos ATL das IPSS Estado devia aumentar comparticipação para aligeirar factura das famílias com ATL Pelo infantário a tempo inteiro para o filho mais novo, Ana Magalhães paga 86 euros mensais. Se a escola do filho mais velho não tem prolongado o horário até às 17h30, Ana teria que o colocar num ATL (Actividade dos Tempos Livres). "Na altura, perguntei quanto teria de pagar pelo ATL no infantário do meu filho mais novo, que é uma instituição particular de solidariedade social, e disseram-me que o valor médio rondava os 100 euros", conta. Esta mãe de 34 anos trabalhava mas sem descontos. O marido sim, mas os cerca de 700 euros que ganhava davam para pagar a prestação da casa, o infantário do mais novo e pouco mais. "A nossa sorte foi que o meu filho começou a ter aulas até às 17h30 e, aí, o meu marido já passou a poder ir buscá-lo". Não fossem as actividades de enriquecimento escolar, e Ana estaria hoje aflita com as despesas. "No ATL disseram--me que teria ainda de pagar cinquenta euros de seguro de transporte para eles irem buscar o meu filho à escola", recorda. Nos ATL ligados a instituições particulares de segurança social (IPSS), a Segurança Social paga 60 euros por cada criança que ali esteja no período antes ou após as aulas e durante as férias lectivas. O custo de permanência por cada criança naquelas condições para as IPSS ronda os 175 euros, segundo as contas feitas por Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS). E, como cabe a cada família suportar a diferença, o montante a pagar pelos pais aproxima-se da factura média mensal de 100 euros que fora apresentada a Ana. Ao PÚBLICO, o padre Lino Maia reconhece que o recurso a um dos 1078 ATL suportados por IPSS sai caro às famílias. Aliás, "com a crise, há muitas famílias a atrasar os pagamentos", conta. "O que defendemos, e até fizemos um abaixo-assinado, é que os ATL devem ser mais comparticipados pelo Estado para que as famílias não tenham que gastar também". Diz que o Governo não pode, com a abertura das escolas durante mais horas, "desperdiçar todas as estruturas e todo o esforço que as IPSS fizeram ao longo dos anos para apoiar as famílias, substituindo-se ao Estado". Manuel Valente, da ederação Concelhia das Associações de Pais do Porto, discorda. "Se o Estado pagar 30 ou 40 euros por criança directamente às escolas ou às autarquias, poupa dinheiro e nós conseguiremos ocupar muito melhor as crianças", assegurou aquele responsável, para quem o prolongamento dos horários das escolas por oposição ao recurso a ATL externos tem a vantagem de "estar ao alcance de mais crianças". "A minha mãe ia ganhar pouco dinheiro se trabalhasse menos" Há composições coladas na parede que começam todas por "Era uma vez...". Nas janelas, autocolantes coloridos com figuras recortadas. As mesas estão dispostas num quadrado aberto para o quadro de lousa e, espreitando, o que se vê são crianças compenetradas sobre os cadernos. Como numa aula normal. Só que o toque de saída das 17h30 já tocou há um pedaço e esta não é uma aula normal, como vem explicar à porta Zé Guimarães Costa, sete anos de idade e dois de escola: "Estamos no prolongamento a fazer os trabalhos de casa". Na Escola Básica da Vilarinha, no centro do Porto, há vários anos que os pais asseguram, com o apoio da Junta de Freguesia de Ramalde, o prolongamento de horário até às 18h30. Cada pai paga "uma quantia simbólica de vinte euros", como revela a presidente da respectiva associação, Cláudia Barrias. Dá direito a acompanhamento nos trabalhos de casa, aulas de dança, brincadeiras em ambiente seguro e "a um lanche composto por uma peça de fruta, uma sande e iogurte". No ano passado, havia mais actividades. "O karaté custava dez euros por mês e a informática quinze", conta Cláudia. Este ano, "muitos pais desistiram por causa das dificuldades financeiras". Das 180 crianças desta escola, há 50 inscritas no prolongamento. Como o Zé, que explica: "Quando acabo os trabalhos de casa, com a ajuda da professora, também faço desenhos. E também brinco, quando me deixam sair da sala". Preferia ir para casa? "Sim, para ver televisão ou desenhar". Quanto aos pais, "à noite estão sempre muito ocupados". E diz que, claro, gostava de poder brincar mais tempo com eles. Não fosse dar-se a seguinte situação: "A minha mãe é professora de italiano e faz legendas na Casa da Música e ia ganhar pouco dinheiro se trabalhasse menos". Postas as coisas assim, melhor na escola do que em casa, na opinião da irmã, Mariana Guimarães Costa, de nove anos, aluna do 4.º ano e fã incondicional dos prolongamentos. "Só não gosto muito da dança porque a professora faz muito aquecimento. Mas prefiro estar aqui porque não gosto de atrasar os trabalhos de casa e, quando acabamos, se tivermos tudo certo, ainda podemos ir brincar. E eu também gosto de ajudar os meninos mais novos que precisam de mais atenção". A conversa decorre num dos corredores da escola, cheio de cabides em versão mini para os casacos, e a psicóloga Raquel Pinto, que costuma acompanhar os miúdos no prolongamento, assegura que o costume, se acontece os pais chegarem um bocadinho mais cedo, é "eles virarem-se para os pais e pedirem 'Espera só mais um bocadinho que eu quero acabar...". Às sextas é diferente. "Estão mais cansados e por isso é que optamos quase sempre por ver um filme ou, quando está bom tempo, pomos música lá fora e ficamos a dançar com eles". No vaivém do corredor, passa Jorge Oliveira Sousa, de 56 anos, avô de "uma neta de oito e um neto de quatro". Estão ambos no prolongamento. "Concordo com a ideia desde que as escolas tenham um registo da efectiva necessidade de os miúdos ficarem até mais tarde", responde. Depois, com mais ênfase: "As escolas não são depósitos de miúdos e não existem para facilitar a vida aos pais que querem ir ao cinema ou às compras". Portanto, "o importante é que não se caia no abuso". Agora, se a medida for encarada como uma situação de apoio a necessidades reais das famílias, "cem por cento de acordo". Está ele e está Eduarda Moreira, de 47 anos, consultora de sistemas de informação e mãe de um miúdo que se apressou a entrar no carro. "Às vezes ele fica cansado, mas, com esta última hora, ele já leva os trabalhos de casa feitos - o que é bom - e vai convivendo com os outros miúdos, fazendo coisas no computador. Não é só trabalhar". Não houvesse prolongamento nesta escola, ATL (Actividades de Tempos Livres) com ele. "Das duas uma: ou não nos exigem tanto em termos de trabalho, e permitem-nos horários mais leves, ou arranjem-nos outras soluções". O raciocínio aplica-se também às férias. No caso da Vilarinha, há campos de férias organizados pela junta de freguesia, sempre com a escola a servir de base: os almoços e o lanche fazem-se em recinto escolar. "Decorrem das 9h às 18h30. Nas férias grandes, é desde o dia 20 de Junho até 31 de Julho e depois, novamente, a partir do dia 1 de Setembro", calendariza Cláudia Barrias. "Os pais pagam trinta euros por semana, com direito a várias actividades e visitas", explica a representante dos pais, para concluir: "Estes campos são óptimos, até para os meninos que vêm para o primeiro ano e têm oportunidade de conhecer os cantos à casa e os miúdos mais velhos antes de arrancarem as aulas".
PUBLICO - 07.02.2009, Natália Faria

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