terça-feira, 23 de março de 2010

O crime público, as escolas e o Estado
Enviado por Segunda, Março 22 @ 15:21:21 CET por Amaral

Artigos de opiniãoChamar crime público aos excessos de um miúdo é desistir do problema. E é não perceber que uma criança de dez, quinze anos merece um pouco mais de compreensão, escreve Miguel Pacheco, no Editorial publicado hoje no jornal i, e que transcrevemos em Leia Mais...

Platão, que tinha da justiça um conceito particular, articulava necessidade, responsabilidade e bom senso quando falava de leis. "As boas pessoas não precisam de leis que lhes digam para agirem responsavelmente", dizia. Não precisam porque a responsabilidade e a virtude de carácter são superiores a qualquer lei, a qualquer obrigação. Quem não tem virtude e é mau, dizia, "irá sempre encontrar maneira de contornar as leis do homem".

Platão vem a propósito das novas leis para regular o nosso aparente desgoverno, a nossa aparente falta de carácter e o problema que se criou nas escolas com os vícios do bullying. A morte do professor de Fitares - pressionado pelos alunos, levado ao extremo pela má educação - trouxe uma proposta ousada: considerar crime público todas as ofensas graves nas escolas.

Numa semana, a Educação desencantou a proposta a quente para reagir a um problema com anos. No futuro, todos os alunos do Básico (do Básico!!) e Secundário devem ser automaticamente suspensos cada vez que agredirem alguém. No futuro, eles serão crime público com penas e processo sempre que existir uma queixa formal e processo judicial.

De França, onde a violência escolar se tornou um assunto académico, surgem exemplos úteis para perceber porque é que isto não faz sentido. Nos últimos anos, os pedagogos franceses distinguiram nas escolas três formas de abuso: 1) o que é violência (uso da força, tráfico de droga), 2) o que é transgressão (violações ao regulamento da escolas, mas que não são ilegais) e, por último, 3) o que é falta de civismo (as ofensas, palavrões e tudo o que for considerado ofensivo). Esta distinção tripartida tem um mérito: separa as esferas. Nas escolas francesas, a polícia trata dos crimes, a escola lida com as transgressões e os pais e professores resolvem as faltas de civismo. Ao Estado o que é do Estado, aos pais o que é da vida privada das famílias.

Por excesso de zelo ou confusão, Portugal quer misturar estas três esferas. Chamar crime público aos actos de um miúdo de dez anos é um exagero. É acreditar que uma criança pode ser imediatamente acusada, sem mediação, por um adulto ofendido. Mais: é reconhecer que não há ninguém dentro da escola capaz de gerir a fúria de uma criança, muito menos julgá-la com a devida calma. É admitir que o Estado, por fragilidade dos professores e dos pais, deve substituí-los nessa missão essencial de educar, repreender e julgar. É reconhecer que já não basta reprimir os comportamentos desviantes, é preciso travá-los na base, nas escolas, onde o mal começa.

Chamar crime público aos excessos de um miúdo é desistir do problema, é não querer saber o que está na raiz desses abusos, é reconhecer que os professores são incapazes de lidar com a violência e admitir que só a justiça pode resolver o problema de um menor. De repente, o Estado parece capaz de resolver tudo, até os nossos problemas de autoridade. O problema é que não resolve nada.

i | 22 de Março de 2010


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