quarta-feira, 31 de março de 2010

''O ensino sem aprendizagem nada significa''
Enviado por Sábado, Março 27 @ 19:58:47 CET por Amaral

Artigos de opiniãoAlexandre Costa é o professor do ano. Dá aulas de Físico-Química na Escola Secundária de Loulé, conseguiu taxas de sucesso próximas do 100% nos últimos três anos, sabe cativar os alunos e tenta contornar a rotina do ensino.
Leia entrevista. Imperdível!

Alexandre Costa, 45 anos, professor de Físico-Química na Secundária de Loulé, ganhou o Prémio Nacional de Professores, atribuído pelo Ministério da Educação. Ganhou 25 mil euros e ainda não decidiu o que fazer com o prémio. Mas de uma coisa tem a certeza: "O docente tem de constituir uma referência para o aluno quanto à forma como olha para a sua profissão." E o exemplo é muito importante.

É mestre em Astronomia e Astrofísica. Colabora com o Centro de Ciência Viva do Algarve. E continua a acreditar que é possível mudar o mundo e que todas as pessoas conseguem dar o seu melhor. Defende a avaliação da classe docente, mas sempre considerou que o sucesso dos alunos não deveria entrar nessas contas. Na sua opinião, o desempenho do professor pode ser determinante no sucesso dos estudantes.

"A massificação do ensino criou desafios que não podem ser vistos de uma perspectiva centrada no professor, em que o aluno, ou se ajusta ou se vai embora", sublinha.

EDUCARE.PT: Professor do ano: uma recompensa profissional?

Alexandre Costa: O Prémio Nacional de Professores foi uma distinção de grande significado por ter sido proposto por uma escola com docentes de grande qualidade e por ter sido seleccionado por um júri composto por personalidades de reconhecido mérito na área da educação.

E: A verdade é que conseguiu nos últimos três anos taxas de sucesso próximas do 100% na sua disciplina. Como o conseguiu?

AC: Existem diversos factores que determinam o sucesso escolar numa dada disciplina. Por um lado, a motivação intrínseca dos alunos para o sucesso na disciplina, que depende dos seus gostos pessoais e da sua sensibilidade para as expectativas familiares quanto ao seu sucesso educativo. Estes aspectos estão fortemente condicionados por factores que são externos às escolas, mas que são muito determinantes mas, por outro lado, depende de factores que são determinados pela sua relação com o docente e o contexto de aprendizagem na disciplina. É aqui que pode ser determinante o desempenho do docente.

Em primeiro lugar, o docente tem de constituir uma referência para o aluno quanto à forma como olha para a sua profissão. Este aspecto envolve diversas variáveis que o docente tem que incorporar na sua prática. Não é possível conseguir que o aluno perceba que é preciso trabalhar numa disciplina, a não ser a partir do exemplo do próprio professor. Se o aluno tem a percepção de que o professor trabalha para a escola, e na preparação das suas aulas, aceita melhor que lhe seja pedido que trabalhe.

Em segundo lugar, o docente deve apresentar uma solidez científica na sua prática lectiva que faça os alunos sentir que estão perante alguém que, de facto, domina os assuntos que estão tratados e que é capaz de dar resposta a questões sobre os interesses dos alunos, nos mais variados contextos relacionados com a disciplina.

Em terceiro lugar, o docente deve ter uma noção clara dos interesses dos seus alunos e fazer uma planificação do conteúdo a ser abordado em função dos interesses dos mesmos. Costumo afirmar que "ninguém consegue ensinar nada a ninguém de per si". O ensino sem aprendizagem nada significa. É possível ter um desempenho lectivo extraordinário e, na ausência de aprendentes, nada ser ensinado. Assim, o processo de ensino-aprendizagem está fortemente condicionado pela vontade de aprender e essa vontade, como todos nós sabemos do nosso quotidiano, é fortemente condicionada pelos nossos interesses. O mesmo acontece com os alunos: se formos ao encontro dos seus interesses, usando materiais que lhes sejam agradáveis, conseguiremos ensinar-lhes coisas muito complexas. No entanto, isto requer um trabalho de planificação que é, muitas vezes, bastante mais demorado que a própria execução da aula. Há quem defenda que o professor não tem que ter este tipo de preocupação, que a motivação para a aprendizagem deve ser intrínseca ao facto de andar na escola. No entanto, essa não é a realidade da escola em que vivemos. A massificação do ensino criou desafios que não podem ser vistos de uma perspectiva centrada no professor, em que o aluno, ou se ajusta ou se vai embora. Ao docente cabe um papel fundamental na motivação dos alunos para o processo de ensino-aprendizagem.

E: De que forma motiva e capta a atenção dos seus alunos para uma disciplina de ciências?

AC: As disciplinas de ciências têm ao seu serviço a própria Natureza. Na Natureza existem imensos exemplos que servem de enquadramento aos conteúdos das mesmas. Assim, são possíveis pequenas demonstrações que usando materiais facilmente disponíveis são fáceis de realizar na sala de aula. Também o trabalho experimental é fundamental para o desenvolvimento de aprendizagens significativas sobre os conteúdos da disciplina. No entanto, o trabalho experimental tem que ser preparado, não como se fosse uma brincadeira, mas como um verdadeiro momento de aprendizagem, o que requer a valorização (e avaliação), não apenas dos relatórios, como também, de todas as fases do trabalho (preparação, realização e análise).

Uma das coisas que considero fundamentais é o reconhecimento por parte dos alunos, da importância dos conteúdos a serem leccionados. Para isso, tento levá-los a instituições, nacionais ou internacionais, onde se esteja a fazer investigação de vanguarda.

E: Confessa que é um professor normal. O prémio agora recebido mudará alguma coisa na sua vida de docente?

AC: Espero que não.

E: Utiliza vários recursos, computadores e outros materiais. Aposta em estratégias pedagógicas inovadoras. Como é uma aula dada por si?

AC: Não tenho uma receita. Consoante o tipo de conteúdo e os alunos, assim terão que ser ajustadas as estratégias. Utilizo bastante as novas tecnologias, mas a construção de demonstrações e a resolução de exercícios não dispensam a utilização do quadro, pois é necessário que os alunos possam seguir a construção da demonstração ou da resolução. Seja com giz, marcador ou quadro electrónico, o quadro continua a ser uma ferramenta fundamental no ensino da Física e da Química. No entanto, soe dizer-se que "uma imagem vale mais que mil palavras" e por isso tento sempre ter demonstrações, fotografias, desenhos, vídeos ou animações dos conceitos que quero que os alunos apreendam. Tento variar as estratégias da aproximação aos conteúdos. Após uma fase de apropriação do conteúdo, que pode ser feita de várias formas, nomeadamente exercícios, tento sempre concluir com um problema, em que o aluno seja "obrigado" a reflectir e a desmontar concepções erróneas para o resolver.

E: Essa prática de explorar vários recursos está disseminada pelas escolas portuguesas ou só alguns professores é que aproveitam as potencialidades das novas tecnologias?

AC: Penso que vai havendo uma quantidade cada vez maior de professores que utilizam as novas tecnologias. Na Escola Secundária de Loulé já muitos professores utilizam a plataforma MOODLE para partilhar materiais online com os alunos e inclusivamente para o trabalho em sala de aula.

No entanto, a utilização das novas tecnologias tem que ser feita de modo criterioso e pedagogicamente adequado. Corre-se o risco de as pessoas pensarem que é a solução para todos os problemas, o que pode ser a génese de outros por má utilização das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação). Tenho, por vezes, assistido a conferências e palestras em que as pessoas levam os conteúdos escritos em PowerPoint e os lêem. Esta utilização do PowerPoint não se traduz em qualquer mais-valia para o contexto de sala de aula. Tal como a utilização sistemática do mesmo tipo de estratégia não é positiva. O docente deve tentar variar as estratégias e sobretudo adequá-las a cada situação.

E: Facilitar o acesso aos computadores foi uma boa medida? Concorda com os Magalhães no 1.º ciclo?

AC: O acesso aos computadores e às novas tecnologias de informação é positiva, mesmo no 1.º ciclo, desde que não signifique o desaparecimento da aprendizagem das competências fundamentais, nomeadamente as da Língua Portuguesa e as da Matemática. Vivemos no século XXI e os jovens vivem numa sociedade imersa nas novas tecnologias. A ciência e a tecnologia per si não são más; o que poderá ser mau é o uso que se faz das mesmas. Compete aos professores ou ao Ministério da Educação definir o enquadramento dessa utilização.

E: É difícil, quando se é professor, contornar a rotina? Como o faz?

AC: A rotina é fácil de se instalar; tem-se uma receita e já está. No entanto, a utilização de receitas imutáveis leva ao desenvolvimento de problemas no processo de ensino-aprendizagem, pois os interesses dos jovens vão mudando a um ritmo igual ao da própria sociedade. No século passado, quando comecei a dar aulas, não havia telemóveis, nem DVD, nem Internet generalizada. Acreditar hoje que poderia continuar a manter uma receita de ensino que servia há 18 ou 20 anos seria uma inconsciência completa da evolução da realidade à minha volta.

E: Já lá vai algum tempo... porque decidiu optar pelo ensino? O que o levou a querer ser professor?

AC: Resolvi sair de Lisboa, onde trabalhava na indústria. Em Beja, resolvi experimentar o ensino e tive uma experiência de tal modo enriquecedora que aqui continuo passados 18 anos.

E: Como consegue gerir o tempo, uma vez que está envolvido em várias actividades?

AC: Durante muito tempo roubei ao sono. Até ao ano passado trabalhava cerca de 18 a 20 horas por dia. Levantava-me normalmente por volta das 3:30-4:00 e trabalhava o dia inteiro até cerca das 23:00 ou até mais, de segunda-feira a domingo. Neste momento, o meu filho está numa idade em que necessita de mim e reduzi muito os projectos em que me encontro envolvido. Preciso dos finais da tarde (desde as 18:00 até às 21:30 que "são horas da caminha") para estar com ele e tenho tentado estar disponível aos fins-de-semana, embora tente "pôr o trabalho em dia" quando ele está a brincar sem precisar de mim. No restante tempo, tento optimizar o trabalho que tenho a fazer.

E: Satisfeito com as últimas reformas do Ministério da Educação? Concorda com o método de avaliação que está a ser implementado?

AC: Penso que o novo elenco governativo tem demonstrado sensibilidade para os problemas da classe docente, nomeadamente na tentativa de resolução dos problemas que existiam no Estatuto da Carreira Docente, quanto à divisão da carreira. Como é sabido por quem me conhece com alguma proximidade, penso que os docentes, como qualquer outra classe profissional, têm de ser avaliados. No entanto, o modelo inicial enfermava de diversos problemas, nomeadamente a avaliação dos docentes em função do sucesso dos alunos, o que criava situações discrepantes logo à partida, pelas especificidades das diferentes disciplinas. Algumas destas situações foram sendo parcialmente resolvidas nos modelos simplificados aplicados ao longo dos últimos anos.

No entanto, o maior problema parece ser de natureza operacional. Muitos docentes consideram que uma avaliação (em particular da componente lectiva), para ser totalmente isenta, teria que ser feita por personalidades externas que não fossem afectadas pelas relações de vivência da escola e pelo próprio facto de, muitas vezes, haver conflitos de interesses ainda que indirectos entre os avaliadores e os avaliados. No entanto, uma avaliação externa de cada docente acarreta verbas que se compreende que sejam incomportáveis para o sistema educativo. Isto tem levado a uma situação que não é fácil de resolver. Aguardo, com alguma expectativa, os resultados da concertação social que o Ministério tem estado a desenvolver com os seus parceiros sociais, a qual, como se sabe, é depois muitas vezes condicionada por directivas emanadas do Ministério da Finanças.

E: Quais são, na sua opinião, os pontos fortes e fracos da actual política educativa?

AC: A actual política educativa tem desenvolvido uma excelente acção no que concerne à administração escolar, embora alguns aspectos relacionados com a contratação de docentes tenham por vezes algumas implicações negativas no funcionamento das escolas. A renovação do parque escolar através da empresa Parque Escolar é um dos pontos mais altos da política educativa. Os pontos fracos são as decisões conjunturais que resultam da necessidade de sujeição do sistema educativo às condicionantes socioeconómicas mais do que do desejo de uma efectiva melhoria do sistema de ensino.

E: Como vê o futuro da educação em Portugal?

AC: Vejo o futuro sempre com algum optimismo, embora reconheça algumas dificuldades no presente. Penso que temos de tentar reeducar a sociedade para o trabalho e para o mérito. Vivemos numa sociedade onde as pessoas desejam apenas o dinheiro fácil e muitas acreditam que a melhor maneira de ganhar dinheiro é através de expedientes. Temos de voltar a incutir valores sociais às pessoas e penso que, nesta área, os meios de comunicação social têm uma importância fundamental da qual não se podem demitir.

Educare.pt | Sara R. Oliveira | 2010-03-23


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